segunda-feira, janeiro 30, 2006

910. As intermitências do cálculo

Fará no próximo mês de Março 25 anos que sofro com cálculos renais (coitadinho, diria a minha mãe se me ouvisse relembrar o facto). A primeira cólica tive-a, seriam umas cinco da manhã, numa época em que ainda não havia telemóveis e em que os TLP ainda não me tinham instalado a linha telefónica em casa, o que fez com que a Maria, com uma barriga de 7 meses, fosse à cabine telefónica mais próxima, para cima de 500 metros de distância (coitadinha, repetiria a minha mãe se me ouvisse recontar a história), para pedir ajuda. Na época, o meu pai (coitadinho, digo eu) lá se levantou do calor do leito conjugal para me levar, na matinal geada, de charola para o hospital. Este procedimento repetiu-se 3 vezes no mesmo dia (pelo que os coitadinhos aqui se repetem também no mesmo factor multiplicativo). São dores horríveis, dizem que piores do que as de parto. Isso eu não posso aferir, mas dizem-no as que já pariram (devias parir também, diz-me aqui ao lado a minha doce Maria, só para teres mais tento na linguagem). Têm sido 25 anos de idas e vindas às urgências, às quais poderíamos muito bem, não fosse alguém achar que era plágio, chamar as intermitências do cálculo. Ultimamente deu-me para expulsá-los na função dolorosa, mas não menos necessária, que é mijar enquanto se tem a uretra apertadinha e dilacerada por cortantes cristais. Este é também um estado que transforma o próprio orgasmo num momento de prazer masoquista. Na verdade gosto de expulsá-los por esta via (haverá outras, podereis perguntar assim como quem não está a ver a coisa), havendo realmente outras, entre as quais a operação, mas se a minha mãe – como todas as mães, sofredora com o mal dos filhos – me chama coitadinho cada vez que sabe das dores que sofro a expulsar um cálculo, imaginem como ficaria sabendo-me numa mesa de operações. Mas, dizia eu, gosto de expulsá-los assim. Lembra-me sempre o palhaço quando lhe perguntaram se sentia prazer quando para fazer rir os putos levava uma série de tabefes durante a actuação. Obviamente que a pergunta é estúpida, mas o palhaço é educado e responde que o prazer está no alívio que sente quando deixa de ser esbofeteado. O alívio que se sente depois de expulsar um cálculo é inenarrável.
Durante as espasmódicas crises ou já sedado pelos Nolotil, Voltaren e Buscopans, levamos na cabeça de todos os lados, dos sábios médicos de que eu deveria fazer isto e aquilo, não comer aquilo e aqueloutro, beber daqui e não dali, etcætera, etcætera, levamos da mulher, por mais doce que ela seja e da mãe, mesmo da mais carinhosa do mundo.

O PreDatado teve uma crise bloguística, levou na cabeça daqui e dacolá, palavras sábias e outras carinhosas, algumas doces também. Agora, sente-se bem por ter expelido este cálculo. Esperem lá, também não se trata de um orgasmo. Mas deu-me prazer.

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