quarta-feira, fevereiro 01, 2006

912. Picante

Ela queixou-se ao marido de que andava com uma crise de hemorróidas como nunca na vida tinha tido. O marido, que nunca conhecera uma lamúria sobre enfermidades da mulher, ficou preocupado com aquela confissão. Havia mais de seis meses que eram casados e tal como em solteiro nunca tinha tido a coragem de lhe sugerir fazerem sexo anal. Ele tinha preconceitos, que lhe advinham de uma educação super conservadora nos melhores colégios de orientação religiosa, para abertamente lhe falar que esse era um dos seus desejos secretos. Mas um dia teria de lho dizer. De repente, aquela confissão soava-lhe como se estivesse a ouvir o barulho do desmoronar de uma muralha. Começou a pensar o que poderia, à mulher, ter-lhe passado pela cabeça para lhe confessar um problema que ela própria poderia resolver sozinha, ou com a ajuda de um bom especialista. Seria que ela andaria com o mesmo tipo de pensamentos mas que, tal como ele, consideraria também que o sexo anal era ainda um tabu? Mas se assim fosse porque não abordar a questão por um outro prisma em vez de lhe falar em crise hemorroidal? Seria que o tão propalado sexto sentido feminino lhe tivesse lido os pensamentos e que isto não passasse de uma velada desculpa para que ele se não adiantasse. Mas como seria possível esse tipo de pensamento se ele nunca se tinha insinuado antes? Ele olhou-a nos olhos, colocou com a ajuda da faca um pouco mais do delicioso coelho à caçadora que ela mesmo tinha preparado e levou-o à boca.
Delicioso! Primeiro pensou e depois exclamou-o. De repente um ligeiro formigueiro atacou-lhe a língua e de seguida o palato. E toda a luxúria que havia imaginado, o sexo anal que tinha pensado que ela pensou que ele estaria a pensar, e de que as hemorróidas não seriam mais que um pretexto, embora efémero para o seu adiamento, se desvaneceu numa constatação culinária. Querida, tem mais cuidado com a forma como usas os temperos!

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