quarta-feira, maio 26, 2010

1535. Tempo

Parei no lugar reservado a residentes, não estacionei porque não sou residente e fiquei à janela do carro enquanto o meu amigo Paulo comprou o autoclismo. Fiquei parado o mesmo tempo do que se estacionasse, evitei a multa e vi passar o Franquelim. Há muito tempo que o não via e nem sei se ele me conhece ou se ainda se lembra de mim. Outras gerações, malta de Almada e do Almada. Passaram uma mãe e três filhos comendo gelados, pareciam ser de pistáchio pela cor ou talvez de menta. Mas não, se fossem de menta ter-me-ia cheirado. Um dos putos percorria a estrada junto aos carros em vez de seguir pela calçada. Vi também a Maria. A Maria é uma bacana, era uma bacana, ganda maluca, mas no bom sentido. A Maria é preta mas não é uma preta assim sem mais nem menos. A Maria já é preta há muitos anos, desde aquele tempo em que eu a conheci. Ou até antes. Gosta de todos não por ser preta e gostamos dela não por ser preta mas por ser Ela. Já não sei se ainda exala aquela maluquice de antigamente quando ria a bom rir por tudo e por nada, achei-a velha. O tempo não perdoa. Se calhar também foi por causa do tempo que o Franquelim não me reconheceu, ele que era um dos companheiros do meu finado tio Fernando. A quem o tempo parece não querer perdoar é à idosa que seguia o percurso do garoto do gelado de pistáchio (ou seria de menta?). Avózinha, deveria ir pelo passeio, aqui é perigoso. Sabia disso mas não podia caminhar “pelas pedras”. O autoclismo custou o mesmo preço comprado no comércio tradicional. E se tiver sorte ainda me sai o automóvel da rifa. Antes do pisca-pisca, olhei o retrovisor para tirar um pequeno grão de areia que se me introduziu numa vista. Tenho mais cabelos brancos. Será que é por isso que nos deixamos de reconhecer?

Foto PreDatado©, Almada 2009

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